Visíveis x Invisíveis.

O Brasil, país dos paradoxos, iniciou a semana com a notícia nacionalmente veiculada dando conta de que os magistrados federais poderão vender um terço de suas férias anuais de sessenta dias. A justificativa todos já conhecem. São como refrão ou estribilho: trata-se de um feito coberto pela legalidade; corresponde àquilo que se confere no âmbito da iniciativa privada; mais um dentre tantos direitos adquiridos; um privilégio que se confere àqueles que usam a toga. Esta não é, todavia, a questão que o ato desafia. De se ressaltar a clareza e a coerência da manifestação da presidente do Tribunal Superior do Trabalho concluindo que, também por esta razão fica demonstrada a desnecessidade dos sessenta dias de férias anuais. É um alento.

Os argumentos publicados e que segundo autoridades dariam sustentação àquela venda de dias-férias dão conta de que teria havido redução de despesas com o recém instalado sistema de home office. Chegaram a afirmar que haveria, para o feito ‘espaço no teto de gastos’ dos tribunais federais. Isto é falta de compromisso com a Nação, uma não compreensão das dificuldades enfrentadas pelos brasileiros comuns.

É preciso considerar a inoportunidade da medida em face da situação que vive a gente brasileira. Considerando-se que mais de trinta milhões de brasileiros, enquadrados pelas autoridades federais como cidadãos ‘invisíveis’ estão desprovidos de renda mínima; desprovidos de trabalho; sequer podem sair de casa. É esse dado da realidade que autoriza chamar a concessão de bizarrice.

É plural o paradoxo que se vive. Enquanto ecoa de um dos cantos da praça dos três poderes a emblemática autorização para a venda de férias dos juízes federais, ali, do outro lado, na mesma praça, a presidência da república anuncia que a distribuição mensal de míseros 600 dinheiros mensais a título de sustento da família de brasileiros invisíveis será quebrada pela metade e em seguida trocará de nome, passando a assinar-se como ‘bolsa Brasil’.

Dentre as conclusões que se recolhe está a de que o problema do Brasil não está naquela massa de trinta milhões de invisíveis. O preço desses já se conhece. Corresponde a uma cifra milionária que se esconderá nos fundos de um orçamento em tempos de guerra cujo adversário é o coronavírus. O problema está naquele grupo de privilegiados que é muito menor, são os visíveis, cujas regalias são extraordinariamente onerosas. No Brasil as coisas frequentemente são impossíveis, mas, são legais. Os defensores de agressivos e onerosíssimos privilégios sempre se dão razão. Os interesses superiores, esses, bem, os interesses superiores…

Não faz sentido invocar orçamento de guerra para viabilizar brioches aos invisíveis se há, no orçamento normal, dinheiro guardado para remuneração do ócio premiado de uma categoria privilegiada. O bom senso, a moralidade, a ética, a fiel interpretação de textos normativos desautorizam aquele regalo. O dinheiro que falta ao Brasil não pode estar sobrando no orçamento do poder judiciário federal, (vamos lembrar a interpretação que fez sucesso na voz de Elis Regina: ‘O Brasil não conhece o Brazil’. [agora, sem o ‘z’])

Registre-se que fica secundária a intenção também secundária do presidente da república que até outro dia fazia mal uso dos recursos televisivos, ao anunciar a metamorfose do auxilio emergencial em ‘bolsa Brasil’.

O Brasil vive um tempo de necessárias e estruturantes reformas. Uma reforma-continente há de ser a reforma do Estado e dentro dela, as reformas-conteúdo, salientando as reformas tributária, administrativa e político-eleitoral. Embora seja este um  discurso de reformas um discurso público, não se conhece, até agora, com algum rigor, propostas concretas de quaisquer delas; há apenas espasmos ou  proposições pontuais. O Brasil não conhece, verdadeiramente, um projeto de nação para chamar de seu.

A sociedade civil organizada, por suas instituições, exercendo o legítimo papel de poder moderador, necessita se unir em torno dessa pauta comum, na celebração de um grande pacto pelo Brasil. É preciso prosseguir com a revolução das ideias. 

O problema, como se vê, não está nos invisíveis, mas, nos visíveis, poucos, porém caros e intocáveis.


José Anchieta da Silva
Vice-Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas – ACMinas

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