A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA

Na data de 11.03.2020, a Organização Mundial de Saúde (“OMS”) considerou o COVID-19 como uma pandemia. A partir de então, inúmeras medidas vêm sendo adotadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, em virtude de divulgação de números que demonstram um aumento galopante de contaminação pelo COVID-19, em nível já comunitário.

Foi em razão desse contexto que o Município de Belo Horizonte editou o Decreto Municipal nº 17.297, de 17.03.2020, que, em seu artigo 3º, previu, para o enfrentamento da situação de emergência de saúde pública declarada em decorrência do COVID-19, “(I) poderão ser requisitos bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e (II) nos termos do art. 24 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, fica autorizada a dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços destinados ao enfrentamento da emergência”.

A requisição de bens, indicada no inciso I do precitado artigo 3º, tem previsão no artigo 5º, XXV, da Constituição da República, e representa a utilização coercitiva de bens (móveis ou imóveis) e serviços privados pela Administração Pública, por ato de execução imediata da Autoridade Pública requisitante, e indenização posterior, para o atendimento de necessidades coletivas urgentes, excepcionais e provisórias.

A requisição civil, que é a hipótese retratada no Decreto editado pelo Município de Belo Horizonte, tem por objetivo a proteção da coletividade, da vida, da saúde e de seus bens, sendo ela passível de ser invocada a qualquer momento, independentemente de regulamentação legal, diante da caracterização uma situação real de emergência ou de perigo público iminente, exatamente como se tem verificado na atualidade, com a pandemia do COVID-19.

Trata-se, portanto, de um ato de império praticado pela Administração Pública, que apesar de ser discricionário quanto ao elemento objeto do ato administrativo, é inegavelmente vinculado no que tange aos elementos finalidade e competência do ato, uma vez que apenas poderá ser praticado em havendo a declaração de situação de perigo público iminente e pela Autoridade Pública requisitante investida da respectiva competência.

Por se tratar de medida excepcionalíssima, a requisição não demanda a prévia intervenção do Poder Judiciário. Há, aqui, incompatibilidade entre o controle prévio e a urgência autorizativa da requisição civil.

A requisição civil, quando recair sobre bens imóveis, terá os efeitos da ocupação temporária, autorizada também no artigo 5º, XXV, da Constituição da República e no artigo 36 do Decreto-lei nº 3365/41, que se caracteriza pela utilização temporária de bens privados pela Administração Pública, para viabilizar a execução de obras, a prestação de serviços ou a consecução de atividades públicas ou de interesse público.

Como regra, a ocupação temporária decorre de uma necessidade do Poder Público na utilização de determinado local, de propriedade privada, para depósito de equipamentos ou materiais necessários à consecução de determinada obra ou serviço. Por se tratar de uma mera ocupação, não se admite que, com fundamento nela, possa o Poder Público demolir ou realizar alterações que prejudiquem ou comprometam a propriedade particular utilizada, o que decorre, principalmente, do fato de que, como o próprio nome do instituto já previu, a ocupação dar-se-á em caráter temporário. Assim, a ocupação pressupõe que seu uso dar-se-á de maneira compatível com a destinação do bem.

Assim, o administrado que tiver requisitado um bem, insumo ou serviço de sua propriedade poderá pleitear o recebimento de uma indenização perante o Poder Público, conforme assegurado pelo artigo 5º, XXV, da Constituição da República.


Maria de Lourdes Flecha de Lima Xavier Cançado
Bruno Barros de Oliveira Gondim
Hyana Paiva Pimentel

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *